sábado, 25 de fevereiro de 2012

Preces

   Luana voltava do culto com um fio de esperança. Teve a sensação que suas preces chegaram aos céus. Havia renovado o pedido para que seu filho mais novo, o Gaio, largasse a vida de drogas, furtos e tantas outras coisas que nem gostava de lembrar. 
   Sentia uma palpitação diferente, pensamentos desordenados faiscavam em sua mente. Lembrou da conversa da noite anterior, na qual implorara para seu filho ter uma vida normal, de trabalho, que fosse a de servente de pedreiro, como a de seu irmão, ou outra qualquer, como todo mundo. Foi assim que arrancou a promessa que lhe encheu de esperanças. Disse-lhe, seu filho, que “seria a última vez, já havia decidido”.
   Deixara a rua principal e entrara na do morro, onde ficava sua casa. Caminhava lentamente, revivia os dias em que tivera no fundo poço, quando engravidara de Gaio. Tão tomada pelas drogas que nem tinha ideia de quem poderia ser o pai de seu filho. Culpava-se eternamente pela personalidade dele, por sua rebeldia despropositada, sua invasão precoce ao mundo de fumaças, cheiros, e viagens irreais, naquele ambiente doentio, empoeirado e triste em que ainda vivia. 
   Algo de esperança assoprava em sua alma. Assim como um dia pode se distanciar desse mundo, imaginava o dia em que seu filho também pudesse se livrar desse lamaçal que o engolia aos poucos. Sentia-se só nessa luta, por isso às vezes fraquejava, desenganava-se, mas logo retomava suas esperanças, jamais desistiria de seu filho.
   Ao longe, poderia ver seu casebre, se os seus olhos não tivessem cabisbaixos, enterrados em lembranças, remoendo o passado sombrio que se arrastava até aqui. 
   Pessoas se aglomeravam no entorno da casa de Luana. Jazia ali o corpo sem vida de Gaio. Uma bala atingiu o centro de sua cabeça, quando realizava aquele que dissera seria o último, o último furto, para então deixar essa vida; faria isso “mais por sua mãe, menos por si ou por quem quer que fosse, porque as pessoas, todas lhe são estranhas, não se importaria com quem desconhecia sua existência”, coisas que teria dito à sua esposa, que soluçava, como a adivinhar os passos do futuro, quando o viu partir aquele dia, para retornar perfurado pelo projétil que levou sua vida.
   Três mil, quinhentos e sessenta reais, e vinte cinco centavos, nada que pudesse fazer falta ou deixar o seu proprietário em dificuldades. O quanto valia a vida de seu filho. O dinheiro é recuperável; a vida, não. 
   Semanas se passaram. Foi ao culto. Estranhamente aquele dia seu filho a acompanhou. Lá, antes que o evento começasse, pessoas conversavam, entre elas, seu filho reconheceu o algoz de seu irmão, aproximou-se para ver se ouvia de que falavam. Ouviu que bajuladores elogiavam o assassino pelo ato de coragem, simulavam pedir autógrafo. Então, o herói da comunidade entrou no templo, o pastor acabara de anunciar que as preces iriam começar.

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