Os nomes verdadeiros foram preservados. Um senhor viúvo, com certa distinção social, tanto pelas posses quanto pela retidão de caráter (talvez mais pelas posses), tinha 5 filhos.
Era hora do engraxate passar em sua casa. Já tinha separado suas botas para dar serviço ao menino. Era um dia frio e úmido. Só mesmo o calor do fogão a lenha poderia manter aquecidos seus aposentos. (Há frios que o calor do crepitar do fogo não aquece). Uma casa confortável, nas proximidades da cidade. A ausência de sua senhora podia se notar em várias dimensões: nas janelas da casa ainda fechadas, nos olhares perdidos e tristes de Tomás, o viúvo. Em cada pequeno detalhe poderia se perceber que ali faltava o dedo de Luíza. Toda a energia que fazia aquela casa estar em ordem fora tirada sem autorização. Assim são as coisas da vida, tentava se conformar Tomás. Para que tudo isso, perguntava-se, o que é a vida, afinal? O que teria sido feito do duro Tomás, rígido, determinado, audacioso, faceiro? Tomás perdera o rumo, fraquejava. Estava velho demais, cansado demais para superar a perda de sua senhora. Chegou o engraxate.
Olhou aquele menino. Lustrava suas botas. Conhecia um pouco da história de Jair. Morava de favor aqui e ali em locais incertos. Movido pelo sentimento humanitário, que a perda não havia abalado, resolveu acolher Jair. Daria um lar, um futuro, em pratos que comem 5 podem comer 6, pensou.
Não avaliou bem semelhante decisão. Seus filhos se revoltaram. Mais tarde entendeira o motivo pelo qual opuseram tanta resistência. Tempos depois, sentindo-se debilitado, decidiu fazer a partilha de seu patrimônio. Ficaria com o suficiente para seu sustento e dividiria o restante. Apesar da oposição contundente dos irmãos, a Jair coube parte igual.
Cada filho tomou seu quinhão e partiu para longe. Exceto Jair, que ficara ao lado do pai. Então Tomás passou a relatar sua vida ao já moço feito, o filho adotivo. A partir de certa idade as pessoas passam a viver do passado, quem o teve. Tornaram-se fieis companheiros. Jair, eternamente reconhecido; Tomás, imensamente grato por ter alguém para dividir seus últimos dias. Nessa relação de pai e filho não havia laços consanguíneos, mas vínculos de carinho, amor e fraternidade, que, como pode perceber Tomás, era o alento que necessitava para seus derradeiros dias.
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