quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sem asas para voar

   Tal como um vale circundado por uma cadeia de montanhas, suas aspirações tinham um horizonte limitado. Não pensava em outra coisa senão na monotonia de seus dias. Acreditava que um dia algo inesperado poderia acontecer, e sua vida, até então triste, poderia ser melhor. Enquanto isso, tudo seguia igual.

   Seus desejos, ainda que voos rasantes, sempre reprimidos pela protetora educação, foram sufocados durante seu desenvolvimento. Nunca teve a experiência de um joelho esfolado. Não culpava seus pais, porque aprendera a ser um bom filho.

   Uma semana havia passado após o funeral de sua mãe. A consternação mais aguda ia se desvanecendo. Era inevitável o reencontro consigo mesmo. Sempre havia deixado as decisões de sua vida a cargo de seu pai, depois que se foi, de sua mãe, mas agora os dois já se foram.

   Nunca quis aventurar-se, em sua juventude, nas incertezas do amor. Olhava para trás, agora, na solidão de seus dias.

   Sua casa um tanto retirada da cidade não deixava de ser uma casa urbana. O tráfego intenso na rodovia à frente só acalmava na madrugada. Durante a tarde daquele sol de primavera, abriu-se a janela para a possibilidade de uma virada em sua vida.

II


   Sentou-se na velha cadeira de balanço e deixou-se vagar pelas sombras do passado. Sentia que faltava à sua história um enredo. Um pouco de aventura, agora refletia, teria dado um outro sabor, e quem sabe algum sentido aos seus dias.

   Alice, sua vizinha, que o viu crescer, mas estivera ausente por muito tempo, retornara à casa de seus pais, e agora, vendo-o nessa melancolia, reavivou como num sopro, o tempo em que Aldo habitara secretamente seu coração.

   Não era mais jovem, mas conservava qualquer coisa de frescor que só as mulheres maduras sabem ter, a sensualidade lhe caía natural, como que fazendo parte do andar, do olhar, da maneira graciosa de portar-se, e até mesmo, do modo de dizer “olá, Aldo, há quanto tempo?”

   Aldo respirava a Alice. Nutria-se dela, desejava-a e com ela sonhava todas as noites. Seu coração morreu pela primeira vez, quando a viu partir naquele dia distante, tão bela, tão especial, inalcançável. Porém, nunca decidiu-se por ela. Mas o que poderia ele fazer? E se ela não o amasse? E se alguma coisa desse errado? E se não fosse bem isso o que ele queria? Assim, enquanto se afundava em incertezas, foi-se aquele mês, o seguinte, a estação e outras estações. Até mesmo os pássaros precisam de muitas quedas até poderem alçar o voo para a liberdade. Aldo nunca teve um joelho esfolado.

   A vida passa assim como passa o lento entardecer de um dia de sol, num faiscar. Alice não esperou, a vida não espera. Enquanto Aldo, olhando o ruidoso trânsito lá fora, preso em seu casulo, enterrado em sua velha cadeira de balanço, imune a riscos, pois dessa forma fora criado, aguarda algo inesperado acontecer, sem que para isso em nada contribua.

   Quando os sonhos se esvaem, é o derradeiro sinal que a alma já se fora dessa vida, e nada mais existe. Ainda assim, em seu íntimo, Aldo ficava aguardando algo inesperado acontecer.


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