Era uma tarde doce da infância. Todas
as tardes da infância são doces, quando já se é adulto. Dois meninos fazem a
escolha dos times. Parece que as forças estão equilibradas. Não há árbitro, mas
as regras são respeitadas. O parar o jogo, quando houver falta, é a expressão
máxima daquele pacto de coleguismo. Havia ética naquele tempo. Não que a
humanidade tenha involuído, mas o sabor da infância leva a acreditar que aquele
mundo era perfeito, ou quase.
A bola rola naquele campo de terra. As
nuvens se movimentam no céu, e o espaço se enche de sombras. Uma ginga pra lá,
um drible pra cá, e o passe. Um cara na cara do gol. Um toque no canto e
adivinhe... é gol. Estão ocupados demais para perceberem as manobras do tempo.
Uma nuvem de pó contorna o alambrado, o vento aperta, caem as primeiras gotas.
Nem mesmo uma pancada forte de chuva põe fim à pelada.
Exaustos, enlamaçados, dão por
encerrada a partida. Quatro partem em direção a uma casa. Então, algo
inesperado está para acontecer.
Todos ao banheiro, e pelados. A casa
foi construída em um plano inclinado, de sorte que, na altura do banheiro,
havia pilares que o deixavam a pelo menos dois metros do chão. Havia, naquele
tempo, alguma plantação rasteira na horta - pequenas verduras.
Um estalo, e o fundo do banheiro cedeu.
Os meninos, pelados e ensaboados, caíram amontoados no chão. Foi uma corrida
desesperada naquela horta. Ninguém se machucou. Mas ficou um sabor, um sabor de
infância para lembrar.
Barracão, final dos anos 70.
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