quinta-feira, 16 de maio de 2013

O silêncio da mãe


Por Filipe Rossato

Nos últimos dias, enxerguei algo diferente na mãe. A vida já se encarregou de nos colocar diante de várias despedidas, algumas irreversíveis, outras esquecidas; deixamos casas, cidades e amigos para trás, perdendo-nos pelos cantos do mundo que não mais nos pertenceriam. Ainda assim, um ao outro teríamos ao fim de qualquer jornada, em qualquer que fosse a circunstância. E, enquanto pude experimentar a ideia de vida, sempre a tive ao lado, preenchendo com um afeto suave os ambientes em que estivéssemos. Levando adiante os rumos que nos carregariam pelos caminhos que teríamos de seguir, liderava. Adiantava-se sobre o mundo, habilidosa, e me protegia. Mas agora, pela primeira vez, iríamos nos separar.

E nos dias que anteciparam a partida, em um dos momentos mais singulares, encontrei na mãe o peso do silêncio. Ironicamente, durante todos os preparativos da mudança, ninguém falou, opinou e reclamou tanto quanto ela. A cada nova etapa da viagem que se concretizava, ela mostrava novas dificuldades, sugeria que o processo não estava correndo da forma correta, examinava à exaustão mesmo as mínimas decisões. Afogou-me em impedimentos possíveis e impossíveis, até que a iminência da partida tornou-se real.

A correria dos dias, o trabalho e os compromissos lhe foram indiferentes, mas eu sabia que na mãe algo já havia mudado. Aqueles olhares necessariamente tristes, oriundos de uma consciência ampla, de uma dúvida profunda sobre a vida, estavam mais carregados e opacos. Perdidos pelos espaços, preenchidos de um sentimento transbordado lá do interior da mãezinha. Os mesmos olhares do vovozinho, que se camuflavam nas conversas leves, mas se denunciavam brutos e sinceros ao fim dos pequenos risos. Às vezes um pouco doloridos. Os mesmos olhares das tias, dos horizontes em mates ao fim do dia, driblando a dureza das coisas com a força de quem enfrenta o mundo, mas com a dor de quem nunca poderá compreendê-lo. Nela, os mesmos olhos delicadamente expressivos, talvez um pouco ansiosos, quase sempre misteriosos, em sua valentia insistente, a quem a força da natureza me fez tê-la como mãe. Imersa em tantos sentimentos só seus, agora revelados em um silêncio pesado, transparente. Era a guerreira mais feroz exposta em pleno combate: uma menina. Apenas uma menina. 

Os dias finais chegaram. A mãe, sentada no sofá, sem dizer nada, sem se mexer. Não se pode esconder-se das estações, das novas eras; não se pode rejuvenescer nem nascer novamente. É a vida que passa e nos leva atropelados, amarrados nessa existência estranha, confusos com alguma noção de tempo, até que que fiquemos pelo caminho. Fazer as malas, enfim, e partir. Talvez nunca mais veja os olhos da mãe daquele jeito, ou talvez fossem já os meus olhos, resignados, perdidos. Fundos em mim. O mundo parece cada vez menor, e é quando me dou conta da companhia eterna, dos olhos dela, carinhosos, que agora são meus. Se hoje é possível alçar vôo, é porque com ela aprendi a enxergar.

Acho que nenhum dos dois pode compreender direito a ligação que existe. Quando inventaram a palavra "profundo", falavam sobre o amor de mãe, certamente. E, quando a tarde cai sobre nossos ombros, me enxergo pequeno, com a mesma dúvida nos olhos, com a mesma força na vida; em mim, o mesmo silêncio, o mesmo tempo, o silêncio da mãe. Já não mais sentindo nem lembrando, mas dividindo a existência com ela, com o carinho mais honesto e o maior amor possível nesse universo. Até o retorno, até estar no colo de novo, até que seja a minha vez de cuidar dela, até que a vida permita desfrutar o que há de mais precioso e honesto, que é ficar ao lado da mãezinha.

Para que o mundo volte a girar em paz, o meu silêncio precisa reencontrar o dela. Nunca vou amar alguém como a amo; a melhor amiga, a mais bonita do mundo, a mais querida. Desde sempre, a minha pessoa preferida entre todas.

Feliz dia das mães, mãe. Te amo.

E feliz dia das mães para todas as tias e primas dessa família linda, que cultiva o amor.


***


Cidade maravilhosa

Por Rute Rossato

Pelo calendário oficial ainda é verão, mas hoje o dia em Porto Alegre é de outono. A chuva fina, a temperatura amena e o céu cinzento são a prova de que mais um verão terminou. O colorido do verão e as vozes alegres que há poucos dias ressoavam aqui estão muito distantes. Restou apenas a lembrança de um momento feliz em que a celebração serviu também como marco para uma nova etapa em nossas vidas. Agora, deste lado de baixo do rio Mampituba, é tempo de recolhimento e reflexão. Somos forçados a reconhecer que o ano realmente começou, ou seja, a vida voltou ao seu curso normal. As férias acabaram, as crianças voltaram para as escolas e o trânsito recuperou a sua costumeira insanidade. A cidade voltou a ser a mesma de sempre, mas para mim está diferente. Perdeu um pouco de seu encanto que foi subtraído pela Cidade Maravilhosa. Sim, o Rio de Janeiro não se contenta em ser uma cidade linda, com verão o ano todo. Essa cidade usa de seus encantos para roubar os nossos filhos, seduzir nossas meninas, hipnotizar nossa gente. E ainda assim, somos absolutamente corrompidos pela promessa de dias melhores, de sonhos realizados. Temos a esperança de que o sonho se transforme em realidade e que um dia possamos dizer “esta é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência.”

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