quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Um homem singular

Por Rui Ferreira dos Santos

De conhecimento vasto
Que não se pode dimensionar
Conhecimento que não adquiriu
Com diplomas universitários
Mas na lida pela vida afora
E também em leituras dialéticas
De livros, textos e discursos
Enfim, obras literárias de todos os matizes

Que o fez sonhar, já em meados do século XX
Bem antes de o homem pisar na lua
Em viagens interplanetárias
Era singular até nos sonhos, o meu pai


Sonhava com outros sistemas solares
Mas acalentava um sonho terreno
A universalidade da língua no esperanto
E o brilho nos olhos ao falar


Num e noutro desses sonhos
Esse homem singular era meu pai
A quem aprendemos a amar desde sempre
A quem devemos tudo que o somos
Pois além desses sonhos de homem
À frente do seu tempo

O fardo da vida terrena era imenso.
Pois aquela que lhe deu todos os frutos do amor
Uma morena, de cabelos cacheados,
De uma ternura sem fim, no meio do caminho
Ou no início de uma longa caminhada
Se foi atendendo a um chamado que nos impôs
Sérias dúvidas sobre a própria existência do Criador


E o meu pai estava lá, repartido
Entre a imensidão de uma dor
Que nunca nos abandonou,
E que por vezes volta, como agora...
E uma ninhada de razões para tocar em frente
Oito razões, cujos olhos insistiam em lhe dar forças

Mas aquele homem singular, que foi meu pai,
Manteve-se sereno o bastante pra seguir
E seguiu numa sequência de sonhos e ações
Que nos fez homens e mulheres
Com a sua mesma estirpe
Essa singularidade da vida de meu pai

Nos acalenta – em meio à dor –
E nos inunda de um gostoso orgulho
E entre sonhos e exemplos neste mundo terreno
Foi esculpindo nossas vidas, nosso caráter

Por vezes, ultimamente,
Já quando dizia ‘estar por um fio’
Ou mais adiante ‘mal e mal vivo’
Falava que já não era mais um homem singular
Como se essa sua singularidade fosse efêmera...
Efêmeros somos nós, com nossa pequenez de alma
Quando deixamos a miséria do egoísmo
E a falta de solidariedade nos tomar conta

A singularidade do meu pai, pra nós -
E quem teve o privilégio de o conhecer sabe do que falo -
Atravessará gerações e gerações
E, quiçá, um integrante dessas gerações
Daqui centenas ou milhares de anos
Entre uma prosa e um chimarrão
Num desses planetas, hoje desconhecido,
De um dado sistema solar, revele, sem meias-palavras:
- Isso tudo um meu parente, tal de
Aristeu Ferreira dos Santos, já sabia!

E acrescente: - não é à toa
Que um meu antepassado
Há centenas ou milhares de anos,
Já dizia:’meu pai era, foi e sempre será

Um homem singular’.