segunda-feira, 26 de junho de 2023

As penas do galo Lulu

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Para Érica,

 minha colega de trabalho.



O aniversário de 5 anos já havia passado. Sem mais nem menos, longe da data, a tia chegou em sua casa e lhe deu de presente um galo.  E a Érica lhe deu o nome de Lulu. Começava então, naquela tarde de sábado, a amizade entre a menina Érica e o galo Lulu.


Uma criança, nessa idade, é como um caderno em branco. A vida começa a ser escrita e não há nada de experiências anteriores a consultar. Ninguém havia dito a Erica que tipo de amizades poderia ter e nem com quem. Inocente e genuína que era, como são as crianças, logo foi se afeiçoando ao Lulu. 


Érica observou que as pessoas passeavam com seus cães ligados a uma coleira, foi então que teve a ideia de fazer o mesmo com seu galo. Lá ia a menina e seu animalzinho de estimação. De início tudo foi encarado com humor, graça e fofura.


Toda manhã Erica levantava cedinho e ia de imediato ao galinheiro ter com o Lulu. Saltava o galo do poleiro e caía nos braços da pequena criança, que lhe dava a ração com privilégios, para somente depois distribuir aos outros.


Aos poucos essa inusitada amizade começou a despertar curiosidade na vizinhança e preocupação em sua mãe. “Se desgrude desse galo, menina”, dizia sua mãe. Érica fingia que não ouvia e prosseguia cada vez mais inseparável de Lulu.


Nem bem sua mãe havia dobrado a esquina, Érica corria para o quintal e pegava Lulu nos braços e o levava para seu quarto. Lulu pulava do chão para a cama, da cama para o chão, comia a comidinha servida por Érica, e assim transcorriam as tardes. 


“Que penas são essas, você trouxe novamente o galo para dentro de casa, Érica?”. “Só um pouquinho, mãe”. “Já avisei para não trazer para dentro de casa, e vou avisá-la mais uma vez, e deu!”. 


Era um dia chuvoso de agosto, as pessoas se protegem dentro de suas casas, mas os bichos ficam lá fora e se esquivam do jeito que sabem. Os animais, por esses tempos, ainda não haviam desenvolvido a capacidade de alterar o meio em que vivem. Quem sabe, quando a era dos humanos passar, outros animais evoluam e desenvolvam essa mesma capacidade humana, e então tudo começará novamente. Eu torço que daí seja a vez dos galos, pensava Érica.


Enquanto essa era não chega, Érica fez o que estava ao seu alcance. Recolheu o galo para dentro de casa, e logo se deu conta que ele estava gelado e tremia de frio. Levou-o para debaixo das cobertas, já que supunha ser a forma mais rápida para aquecê-lo. 


Aquele foi um dia feliz e triste para Érica. Feliz, pois havia aquecido seu amigo e ficado com ele um tempão na sua cama. Triste, já que sua mãe pegou o galo embaixo das cobertas e gritou bem alto e assustou mais o galo do que a Érica, e o galo se borrou todo, e a mãe ficou ainda mais furiosa e jogou o galo lá para fora.


Dia seguinte, a poeira já havia baixado e a menina saiu para brincar na casa de amigas. Tudo parecia que ia bem, o jantar, as conversas de sua mãe, nada de xingamento pelo episódio do dia anterior, seu coraçãozinho já começava a bater mais aliviado.


“Sabe essa moela que você acabou de comer”, disse a mãe, “é do Lulu”. Érica largou tudo e saiu correndo em direção ao galinheiro. O Lulu já não estava mais lá, em seu lugar, encontrou somente um monte de penas jogadas ao chão.


Quinze anos depois, quando Érica lembra desse acontecimento de sua infância, suas lágrimas, sem mais nem menos, começam a rolar.



Urubici, saída do inverno, 2015.


Charles Ferreira dos Santos


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