terça-feira, 30 de julho de 2024

Conversando com os meus botões



Na quietude de minha presença, estava ali conversando comigo mesmo. Era um costume que trazia desde minha adolescência, desde até onde consigo vasculhar o passado. Lembro-me que, por volta dos meus 12 anos, enquanto caminhava na avenida daquela cidadezinha do interior, eu boxeava com uma pessoa invisível. Um carro diminuiu a velocidade ao passar por mim, e o motorista mandou: “Bate nele, vai…” Nisso, voltei à realidade e segui caminhando. Era um traço que levaria comigo ao longo dos anos, talvez de introspecção, quem sabe.

Tempos depois, muito tempo depois, estou no quarto conversando sozinho, e então minha esposa me surpreende e pergunta com quem eu estaria conversando. De imediato, não me ocorreu uma reação em palavras; apenas voltei à realidade naquele instante. Pensei comigo: "Ora, ora, minha esposa, estou conversando com meus botões."

Bombinhas, julho de 2024.



terça-feira, 23 de julho de 2024

Anotações acerca de Leite Derramado, de Chico Buarque

 


A riqueza da linguagem de Chico Buarque em Leite Derramado é a primeira impressão que me toca comentar nestas anotações.

Leitura em julho, 2024.

Recortes

Mas não sustentaria uma conversação sobre literatura;
Eulálio d'Assumpção, o Lalinho;
Descarrego;
Ruminava;
Rumo à civilização;
Cear;
Conversas galantes;
Entabulou assunto;
O dinheiro era comedido;
Ia dormir um pouco mareado;
Essa gente do Norte;
Crack da Bolsa de Valores de Nova York;
Dizem que desgraça atrai desgraça;
O sentimento se fecha em repolho;
Gania de dor nas juntas;
Fazenda na raiz da serra;
Mitigasse seu sofrimento;
Vez por outra ia;
Logo distingui o que nele foi ensinado do que era natural;
Parecia má-criação;
Sonhando com ela melei estes lençóis;
Reação destemperada;
Por um instante embasbaquei;
Se bandeava para a oposição;
Minhas raízes no campo conservador não me permitiriam;
Acabrunhado;
Estreitaram sua amizade;
Tenho para mim que aquilo não passava de invencionice;
Era uma brincadeira trivial, qualquer criança passa por isso;
Revolta pueril;
Cabelo pixaim;
Deve ser artista de cinema ou coisa pior;
(nessa frase, Chico sintetiza todo o preconceito da personagem)
Como se eu falasse disparates;
Comecei a considerar a hipótese;
Era como a flor que ao mudar de vaso às vezes fenece;
A casa cheirava a alfazema;
Pequerrucha;
Se com a idade a gente dá para repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar;
(aqui Chico Buarque, na pele de uma personagem, faz uma reflexão filosófica bem humorada acerca do processo de envelhecimento)
Temperamento misantrópico;
Tampouco lograva se lembrar;
Batia mais pelo estalo que pelo suplício;
(nesta frase está toda a maldade que uma pessoa pode destilar, era um branco batendo numa pessoa escravizada)
Pareceia serenar;
Ela era leve de espírito;
É esquisito ter lembranças de coisas que ainda não aconteceram;
Se soubesse como gosto de suas chegadas, você chegaria correndo todo dia;
Ora, ora, minha filha, ora, ora;
O garoto era um Assumpção de boa cepa.

Resenha de "Leite Derramado" de Chico Buarque*

"Leite Derramado", romance de Chico Buarque, é uma obra que se destaca não apenas pela maestria narrativa do autor, mas também pela profundidade histórica e social que permeia suas páginas. Publicado em 2009, o livro apresenta uma estrutura narrativa singular: todo ele é contado em forma de monólogo por um homem octogenário, Eulálio Montenegro d'Assumpção, enquanto ele agoniza em uma cama de hospital. Esse formato confere à narrativa uma intensidade e uma intimidade peculiares, conduzindo o leitor por uma jornada através de mais de um século da história brasileira.

Eulálio Montenegro d'Assumpção é um personagem cativante e complexo, cuja voz narrativa revela não apenas suas memórias pessoais, mas também as vicissitudes de sua família e, de certa forma, do próprio Brasil. Através de suas reminiscências, somos transportados para o Rio de Janeiro do século XIX, onde acompanhamos a ascensão e a decadência de sua poderosa família. Chico Buarque entrelaça habilmente a história pessoal de Eulálio com os eventos políticos e sociais que moldaram o país ao longo dos anos, desde o fim da escravidão até os dias mais contemporâneos.

Um dos aspectos mais marcantes do romance é a linguagem rica e poética utilizada por Chico Buarque. Eulálio Montenegro d'Assumpção narra com uma mistura de nostalgia, ironia e lucidez, criando um tom melancólico e, ao mesmo tempo, irônico que permeia toda a narrativa. A prosa fluída e envolvente do autor faz com que o leitor se sinta imerso não apenas na história do protagonista, mas também na atmosfera e nos dilemas de uma nação em transformação.

Além da habilidade técnica na construção narrativa, Chico Buarque aborda temas universais como amor, poder, decadência e memória. Eulálio reflete sobre seus relacionamentos familiares complicados, suas paixões arrebatadoras e as consequências de suas próprias decisões ao longo da vida. Ao mesmo tempo, o autor joga luz sobre as injustiças sociais e as desigualdades que marcaram o Brasil desde os tempos coloniais até os dias atuais, revisitando questões urgentes sobre identidade, classe e poder.

"Leite Derramado" é uma obra que transcende o tempo e o espaço, oferecendo não apenas uma história pessoal profundamente tocante, mas também uma reflexão crítica sobre a história de um país complexo e multifacetado. Chico Buarque demonstra mais uma vez sua maestria não apenas como compositor e letrista, mas também como um dos grandes escritores contemporâneos da literatura brasileira.

Em suma, "Leite Derramado" é um livro que combina narrativa magistral, personagens vívidos e uma profunda reflexão sobre a história e a condição humana. É uma leitura essencial para quem busca compreender não apenas o Brasil, mas também as complexidades universais da vida e da memória.


*Com auxílio do ChatGPT.













sábado, 13 de julho de 2024

Conversas nem tanto imaginarias com meu pai: a Corrida de São Silvestre sob outro olhar


 Lembro-me de que meu pai costumava assistir a todas as corridas da São Silvestre pela TV. "Ligue a TV, acho que está na hora da São Silvestre", dizia ele. 

Quando seu tempo neste mundo estava prestes a lhe escapar, ele brincava. "Vou melhorar, ainda quero correr a São Silvestre um dia!". Sua vida estava por um fio, mas seu senso de humor permanecia inabalável. "Óbvio que não tenho a pretensão de competir com os quenianos", completava. E então deixava fluir aquele seu sorriso de satisfação.

Bom moço, esse seu Aristeu. Espirituoso ele era. 


Clique no link abaixo e veja o vídeo.




 

Sobre o romance Pergunte ao pó, de John Fante



Anotações sobre Pergunte ao pó, de John Fante

Cabe destacar que na edição em análise (6ª edição, 2006) o prefácio é de Charles Bukowski, em 1979. Todavia o livro foi lançado em 1937. Título original: Ask the dust.

Recortes

"Era ainda mais andarilho do que eu".

"Ficava doente depois de cada jogo de futebol em que via o leste perder".

"Todo o que não chegara pouco antes tomou conta de mim".

O cachorrinho riu.

Leitura em julho, 2024.

 Resenha de "Pergunte ao Pó" por John Fante*

"Pergunte ao Pó" é uma obra emblemática do autor ítalo-americano John Fante, publicada originalmente em 1939. Ambientada na Los Angeles da década de 1930, a história narra os tumultuados meses na vida de Arturo Bandini, um jovem escritor de origem italiana que luta para encontrar seu lugar no mundo literário e também no amor. Por meio de uma prosa vívida e intensa, Fante conduz os leitores por uma jornada introspectiva e emocionalmente complexa.

A narrativa se desenrola em torno de Arturo Bandini, um alter-ego literário de Fante, que enfrenta suas próprias batalhas internas enquanto tenta estabelecer-se como um escritor de sucesso. Arturo é um personagem profundamente humano, cujas aspirações artísticas muitas vezes entram em conflito com suas inseguranças e desafios pessoais. Ele oscila entre momentos de extrema confiança e momentos de dúvida intensa, refletindo a luta universal entre o desejo de autossuperação e as limitações impostas pela própria psique.

Central para a narrativa está o relacionamento de Arturo com Camilla Lopez, uma jovem mexicana por quem ele se sente intensamente atraído desde o momento em que a conhece. Camilla é retratada como uma figura enigmática e sedutora, cuja presença na vida de Arturo desencadeia uma série de eventos que alteram profundamente sua perspectiva sobre si mesmo e sobre o mundo ao seu redor. O relacionamento entre Arturo e Camilla é marcado por paixão, conflito e uma busca incessante por identidade e significado.

Além do romance central, Fante habilmente explora temas de identidade étnica, classe social e os desafios enfrentados por imigrantes e seus descendentes na América do início do século XX. A representação vívida de Los Angeles como pano de fundo é essencial para a atmosfera da história, oferecendo um retrato detalhado da cidade durante uma época de transformação social e cultural.

A escrita de Fante é caracterizada por sua autenticidade e crueza emocional, capturando tanto a beleza quanto a angústia da experiência humana. Seu estilo é direto e vigoroso, com diálogos que ressoam com uma energia palpável e descrições que pintam vívidas imagens mentais dos cenários e personagens. A linguagem utilizada é muitas vezes poética, carregada de simbolismo e metáforas que enriquecem a experiência de leitura.

Em última análise, "Pergunte ao Pó" é uma obra que transcende sua época, oferecendo uma exploração profunda da psique humana, dos anseios artísticos e das complexidades dos relacionamentos interpessoais. Através da jornada tumultuada de Arturo Bandini, John Fante convida os leitores a refletirem sobre as questões universais de identidade, amor e autodescoberta. Com uma narrativa poderosa e personagens memoráveis, este romance continua a ser uma obra de significado duradouro na literatura americana.

Em suma, "Pergunte ao Pó" não apenas captura a essência de uma época e de uma cidade específicas, mas também ressoa com uma verdade emocional e existencial que transcende fronteiras culturais e temporais, estabelecendo-se como um clássico moderno da literatura americana.


*Com auxílio do ChatGPT.