domingo, 12 de março de 2023

Um retrato explica tudo

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Corria o ano de 1948. Pelo mundo, era o ano em que a ONU proclamava a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Era preciso uma reação forte às atrocidades da Segunda Guerra Mundial. O ideal a ser atingido por todos os povos e nações deveria passar pela solidariedade e educação.

Na pequena vila Santa Bárbara, em Bom Jardim da Serra, em seus 18 anos de idade, alheia ao movimento internacional, uma menina chamada Carolina cumpria anonimamente, sem que soubesse, o desiderato daquela Declaração Universal.

Esta é uma pequena passagem da história de Carolina, a menina de ouro que encantou e ainda encanta Eracele, e desde então lá se vão 65 anos.

As marcas da longevidade estão salientes, o tempo cobra seu preço, são os efeitos colaterais de uma vida longa.

Porém, em Carolina há algo que não sofreu as marcas irrefreáveis do tempo: sua vivacidade. Ela discorre sobre sua vida, sobre as coisas daquele tempo, com uma espontaneidade encantadora.

Não que não houvesse dinheiro, pois era o tempo dos réis. Algo como mil réis já se podia considerar um bom quinhão, mas predominava a cultura do escambo. A família de Carolina produzia queijo e trocava por açúcar grosso e farinha.

A distância não se media em quilômetros, mas em horas de cavalo. Santa Bárbara estava a 1 hora de cavalo de Bom Jardim da Serra, descreve Carolina.

Mas o que de fato faz seus olhos brilharem com mais intensidade são as recordações da Escola Monte Serrate. A escolinha, que ficava no povoado de Santa Bárbara, estava a meia hora a pé da casa de Carolina.

De lá vêm as melhores lembranças. A mocinha, tão logo aprendera as primeiras lições, já se prontificava a socializar seu saber. Foi, então, professora por 4 anos. E esse tempo marcaria docemente sua vida.

Doces lembranças. Ainda se lembra de alguns depoimentos, que narra com prazer: “Se hoje sei ler e escrever, devo à Senhora tudo que aprendi”, diz uma amiga de então.

A educação, naquele tempo, era um privilégio para poucos, daí a importância da solidariedade de Carolina.

Nem só de doces recordações ela vive, pois já se despediu de muitas pessoas queridas ao longo de sua jornada. Sua voz embarga ao rememorar a criança de 3 anos, que foi levada pelo vento. Interrompe suas memórias nesse ponto e parece se transportar para o cenário de destruição, em Santa Bárbara, deixado pelo tornado.

Logo recobra sua expressividade e fala do carro de boi e das vezes que precisava quebrar gelo para poder lavar fraldas no tanque.

Eracele, companheiro dessa jornada de 65 anos, acompanha interessado a narrativa de Carolina. “É uma entrevista”, diz ele aos netos que passam por ali. Então lhe pergunto o que lhe chamou atenção na mocinha Carolina, naquele tempo? Ele responde com um retrato daquela época, que retira da parede. Faz sentido, uma imagem vale mais do que mil palavras, diz o velho ditado.

O grande prêmio e condecoração que Carolina recebeu pelo seu oficio de professora, naqueles tempos difíceis do passado, foi a serenidade e paz de espírito que tanto precisa para a travessia do outono de sua vida.

Carolina, 85 anos, sangue indígena nas veias; Eracele, 90 anos, brasileiro nativo; 65 anos de casados e muitas histórias para contar.



Urubici, SC, primavera de 2015.




charlesfs@hotmail.com



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